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Publicado
2 nov 2024
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Meu primeiro contato com a cultura sul-coreana se deu através do cinema, no ano de 2004. Lembro da sensação de suspensão, quase hipnótica, de quando assisti "Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera" (봄 여름 가을 겨울 그리고 봄, 2003) dirigido pelo cineasta sul-coreano Kim Ki-duk. Posteriormente, o diretor se envolveu em diversas polêmicas e acusações de assédio, e sabemos o quanto é importante que isso nunca seja esquecido. Porém este filme foi um marco na projeção internacional do cinema coreano, com mais de 11 prêmios em festivais internacionais.

"Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera" é um filme profundamente espiritual, que utiliza uma estética minimalista para explorar a natureza cíclica da vida humana. A história, centrada em um templo budista flutuante, em um local totalmente isolado, onde um monge e seu discípulo habitam, é uma metáfora visual e narrativa para os ciclos de nascimento, crescimento, decadência e renascimento.
O minimalismo está presente inclusive nos diálogos. É um filme que evidencia as pausas contemplativas e os silêncios. Uma história contada através de imagens impactantes, e de uma fotografia impecável.

Cheongsong, Gyeongsangbuk-do, o local de filmagem do filme
Um dos detalhes que chama atenção na narrativa, são as portas, e a ausência de paredes em torno delas. Em templos budistas os portões são a separação entre o mundano e o sagrado. Ao visitar um templo, passamos por diversos portões, alguns tão baixos, que nos obrigam a inclinar a cabeça, numa lição que mistura humildade e purificação. No filme, cada passagem pela porta marca uma nova fase para o protagonista, relacionando-se com os ensinamentos budistas sobre impermanência e transformação. A ausência de paredes ao redor dessas portas sugere que os obstáculos ou limitações que impomos a nós mesmos são, na verdade, ilusórios – não existem barreiras reais além daquelas que criamos em nossa mente. Elas representam as portas que abrimos e fechamos em nosso caminho, ao longo da vida. Essas portas, posicionadas no meio do lago, conduzem os personagens a novos momentos e estágios de desenvolvimento. Ao atravessar essas portas, o discípulo passa por provas que o conduzem ao autoconhecimento, purificação e, eventualmente, à redenção.
Em "Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera," a jornada através das portas sem paredes é, acima de tudo, sobre a escolha e a aceitação das transformações necessárias para o amadurecimento do corpo e da alma.